A Fenomenologia (4.2)


Continuando o texto: A Filosofia...

Há diversas noções para o termo fenomenologia, ele surge no século XVIII e foi usado por diversos autores, mas de maneira bem diferente da contemporaneidade. Kant por exemplo o utiliza para denotar a descrição da consciência e da experiência, abstraindo de considerações sobre seu conteúdo intencional. Hegel por outro lado, conforme comenta Japiassú:

Emprega o termo em sua Fenomenologia do espírito (1807) para designar o que denomina de “ciência da experiência da consciência”, ou seja, o exame do processo dialético de constituição da consciência desde seu nível mais básico, o sensível, até as formas mais elaboradas da consciência de si, que levariam finalmente à apreensão do absoluto. (2006, p.105).

Ou seja, em Hegel a fenomenologia é a investigação histórica da evolução da autoconsciência, que se desenvolve a partir da experiência sensorial elementar, até alcançar processos de pensamento completamente racionais e livres, capazes de engendrar conhecimento. Isto poderia também ser elucidado com suas palavras quando diz “o devir da ciência ou do saber”.

Mas a única noção do termo fenomenologia que hoje vive é a anunciada por Husserl em Investigações Lógicas, já no século XX, e desenvolvida por ele em obras seguintes. Husserl visa estabelecer um método de fundamentação da ciência e de constituição da filosofia como ciência rigorosa. O projeto fenomenológico se define como uma “volta às coisas mesmas” isto é aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como seu objeto intencional. “Toda consciência é consciência de alguma coisa” (Husserl).

Conforme comenta Blackburn

(...) Husserl percebeu que a intencionalidade era a marca da consciência, e viu nela um conceito suscetível de ultrapassar o dualismo tradicional da mente-corpo. (...) Apesar da rejeição do dualismo por Husserl, sua crença na existência de algo que permanece depois da epochê, ou suspensão dos conteúdos da experiência, o associa à prioridade às experiências elementares da doutrina do fenomenismo, e a fenomenologia acabou por sofrer, em parte, com a superação dessa abordagem aos problemas da experiência e da realidade. Contudo, fenomenólogos mais recentes, como Merleau-Ponty, fazem plena justiça à natureza mundo-envolvente da experiência. (1997, p.146).

Husserl faz uma distinção entre psicologia e fenomenologia deixando claro que a psicologia trabalha com sujeitos e fenômenos enquanto acontecimentos reais no mundo espacio-temporal e que, ao contrário a fenomenologia, conforme diz Abbagnano

(...) que ele chama de “pura” ou “transcendental” é uma ciência de essências (portanto “eidética”) e não de dados de fato, possibilitada apenas pela redução eidética, cuja tarefa é expurgar os fenômenos psicológicos de suas características reais ou empíricas e levá-los para o plano da generalidade essencial. A redução eidética, vale dizer, a transformação dos fenômenos em sentido estrito, porque transforma esses fenômenos em irrealidades. (...) valendo-se da redução fenomenológica e da epochê. (2007, p.511).

Em resumo, Husserl chega aos seguintes resultados: 1) O reconhecimento do caráter intencional da consciência; 2) evidência da visão (intuição) do objeto devido à presença efetiva do objeto; 3) generalização da noção de objeto que compreende não só as coisas materiais, mas também as formas de categorias, as essências e os “objetos ideais” em geral; 4) caráter privilegiado da “percepção imanente”, ou seja, da consciência que o eu tem das suas próprias experiências, porquanto nessa percepção aparecer e ser coincidem perfeitamente, ao passo que não coincidem na intuição do objeto externo, que nunca se identifica com suas aparições à consciência, mas permanece além delas.

A fenomenologia como dissemos é uma das principais correntes filosóficas do século XX com muita importância na Alemanha e na França; influencia fortemente o pensamento de Heidegger (como método para sua ontologia) desta maneira podemos entender fenomenologia como um conceito de método. Segundo Heidegger

A expressão “fenomenologia” significa, antes de tudo, um conceito de método (...) A palavra “fenomenologia” exprime uma máxima que se pode formular na expressão: “para as coisas elas mesmas!” (...) No entanto, como se mostrou nas considerações precedentes, o que, num sentido extraordinário, se mantém velado ou volta novamente a encobrir-se ou ainda só se mostra “distorcido” não é este ou aquele ente, mas o ser dos entes. O ser pode-se encobrir tão profundamente que chega a ser esquecido, e a questão do ser e de seu sentido se ausentam. (...) A fenomenologia é a via de acesso e o modo de comprovação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia. Ontologia só é possível como fenomenologia. (2006, p. 66-75).

A tarefa declarada de Ser e Tempo é a de determinar o sentido do ser, Heidegger diz que este ser foi esquecido; o mundo ocidental o esqueceu. Mas Heidegger conforme nos lembra Reale e Antiseri (2006, p.208) se vê em aporia pois “a análise do ser-aí, isto é daquele ente privilegiado que se propõe a pergunta sobre o sentido do ser, não revela o sentido do ser e sim o nada da existência”.

Heidegger nos diz que o mundo ocidental desde Platão degrada com o Ser, e isto vai se passando de geração em geração com todos os filósofos que vieram depois. Os primeiros filósofos como: Anaximandro, Parmênides e Heráclito conceberam a verdade como um desvelar-se do Ser como provaria o sentido etimológico de alétheia (desvelamento do Ser). Heidegger comenta a questão do “Mundo das Idéias de Platão” e o exemplo da “Alegoria da caverna” para justificar seu posicionamento.

Em “A questão da Técnica” (1953) ele critica a sociedade industrial (uma das causadoras da modernidade) onde se predomina a ciência. E questiona estes valores e princípios modernos. Como transcreve Marcondes:

“A ciência não pensa.” A ciência e sua aplicação técnica seriam incapazes de pensar o ser, de pensá-lo fora da problemática do conhecimento e da consideração instrumental e operacional da realidade típicos do mundo técnico. Na verdade, o desenvolvimento de nosso modelo técnico e industrial é conseqüência precisamente do “esquecimento do ser” na trajetória da cultura ocidental. (2005, p.267).

Em suma podemos dizer que Heidegger se preocupa com a questão do Ser ou melhor em retomá-la de uma maneira que ele julgava própria e não mais como fora tomada impropriamente. Segundo Heidegger, o que o mundo ocidental fez foi esquecer o Ser... e a fenomenologia seria essa re-busca do Ser.

Continuaremos agora no próximo tópico analisando outro esquecimento: nossa origem cósmica, ou seja, passamos do esquecimento do ser para o esquecimento do Céu.

Abraços do
Benito Pepe

Próximo tópico: A Astronomia e o esquecimento do Céu.


Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1997.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo; tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback; Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006.

_________________. Ensaios e conferencia; tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schuback. 3.ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 9.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

______________. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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